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A Vingança da Beata
A Vingança da Beata
Miniconto
Darcy Brito

Era uma vez um povoado que cresceu rapidamente e virou uma pequena cidade.  
Apesar de já ter até um Banco, a cidadezinha ainda não tinha uma igreja, que geralmente é um marco inicial de fundação de uma cidade. Nem mesmo uma cruz em algum campo nos arredores. Enfim, não havia uma Casa de Deus, o que gerou protesto das beatas do antigo povoado.

- Absurdo! Dizia uma que era costureira.
- Um pecado! Dizia a outra, que era rezadeira de mau-olhado.
- Temos que nos unir e procurar o prefeito! Falou a mais revoltada, que era mulher do policial.
- E será que ele acredita em Deus? Falou a outra, que costumava reunir as amigas nas quintas feiras a fim de rezar para Santa Rita de Cássia.
- Disseram que é comunista, falou a mais velha, que viu a cidade nascer quando o povoado ainda era habitado por famílias de operários que trabalhavam abrindo estradas, cujo pai se orgulhava de ser um desbravador.
- Tá explicado! Não acredita em Deus. Disse a devota de Santa Rita.
- Na campanha ele falou que era cristão, lembram? - falou a costureira. Será que é crente?
- Se o prefeito não atender nosso pedido, construiremos uma, no peito e na raça. Terreno é o que não falta por aqui – disse a viúva do ex-candidato a prefeito que sempre perdia as eleições para a oposição.
- Pediremos um empréstimo ao Banco. Falou a professora aposentada.
- Calma, minha gente! Vamos marcar audiência com o prefeito. Ele não vai negar porque eu sei de umas travessuras dele, que se cair na boca do povo ele perde o cargo - Falou a viúva do ex-candidato.
- Vixe Maria, e é? Que segredo é esse que você sabe e eu não?Admirou-se a devota de Santa Rita olhando desconfiada para as outras.
- Deixe “queto”- respondeu a viúva.

Depois de muita conversa marcaram para o dia seguinte o encontro com o prefeito, e retornaram à suas casas.
Mas, que travessuras seriam aquelas que deixaram as amigas da viúva encabuladas?
O certo é que, ao chegarem no gabinete do prefeito, este um careca baixinho, barrigudo e cheio de trejeitos ao falar, com o dedinho ajeitando as sobrancelhas, foi logo cumprimentando a viúva, beijando-a nos dois lados da face.
- A que devo o prazer de receber em meu gabinete tão simpáticas criaturas?
Queremos uma igreja – falaram em coro as beatas – a viúva do ex-candidato, fixava o olhar ameaçador no olhar do prefeito.
- Mas assim, tão de repente? Perguntou o prefeito.
- Já passa da hora de termos uma igreja. Onde já se viu, senhor prefeito, não termos uma casa de Deus para fazermos as nossas orações e pagarmos nossas promessas, disse a devota de Santa Rita.
- Casamento, primeira comunhão, batizado, mês de Maria etc. – disse a viúva.
- Façamos o seguinte: Vou mandar fazer um levantamento de quantos católicos e crentes evangélicos nós temos. Se o numero de católicos superar o de evangélicos prometo que vocês terão uma igreja à altura.
- O quê! O senhor está blasfemando? – falaram revoltadas, bem juntinho do ouvido do prefeito.
-Acalmem-se, senhoras! Que tal, então, uma igreja ecumênica?
- Eco o quê? Agora tudo é “eco” isso e “eco” aquilo – disse a mulher do policial.
- Não confundam ecumênico com ecológico. Nada a ver. O Brasil é um Estado laico, respeita todas as religiões, disse o prefeito cheio de certezas.
A devota de Santa Rita que não sabia o que era laico disse:
- Não entendo de politicagem. Só queremos uma igreja. Até conheço um padre que adoraria rezar missa nesta cidade. O senhor só teria a ganhar.
- Muito bem, vamos por em votação para ver quem aprova ou não uma igreja católica. 

E foi assim que a cidade ganhou uma igreja com padre e tudo mais. A maioria da população era católica. 
Em menos de dois meses já estavam rezando a primeira missa. Mas aí é que começa o problema. As beatas começaram a disputar a atenção do padre, um gaúcho que não usava batina e bebia chimarrrão. Bonitão e cheio de mesuras. Muitos boatos surgiram. Diziam até que o gauchão era casado na terra dele. Aos domingos havia uma fila enorme para a comunhão, a maioria formada de moças, que fofocavam dizendo que o padre piscou o olho pra elas na hora da hóstia. Porém as beatas desmentiam em defesa do padre. Um belo dia, uma moradora, muito falada por seus dotes físicos exuberantes, foi até a Sacristia da igreja levar um chimarrão para o padre. Foi o suficiente para que as beatas ameaçassem de não mais ajudar nas missas e nem cuidar dos paramentos da igreja. A mais revoltada era a viúva, que achava um sacrilégio uma devassa entrar na igreja de shortinho e, ainda mais, levando chimarrão para o padre. O buchicho na cidade era que o padre estava de caso com a periguete, que dava inveja nas meninas. Não se sabe bem como começou esse boato, mas a verdade é que as beatas, aborrecidas, combinaram não ajudar mais na igreja. Mas a viúva, que era a responsável pela confecção das hóstias, falou que não poderia deixar a igreja sem comunhão, pois Deus poderia castigá-la. O padre por sua vez ficava indiferente a tudo que estava acontecendo. E a moça do chimarrão passou a fazer também comida para o padre. Foi aí que a beata das hóstias, demonstrando uma paixão enrustida pelo padre, resolveu se vingar. Separou uma das hóstias que iria servir na comunhão, e, sabendo que a devassa sempre era a última da fila para receber o corpo do Senhor, colocou a quantidade de hóstia com uma a menos, sete, quando viu que oito iriam se comungar.  E, quando a toda serelepe, a última da fila, a pivô dos ciúmes, aproxima-se para receber a comunhão, o padre solicitou mais uma hóstia. Prontamente, a viúva, muito risonha, entrega a apimentada hóstia reservada para sua vingança. E a "serelepe" cuspiu a hóstia e saiu de dentro a fora da igreja xingando.

Nada ficou esclarecido a respeito do episódio. A cidadezinha não se importou em apurar, nem o prefeito, desconfiado da viúva que sabia o segredo dos seus trejeitos. E a pecadora "periguete" nunca mais quis saber de hóstia.



Darcy Brito
Enviado por Darcy Brito em 25/11/2021
Alterado em 27/10/2022
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