Textos

Arlindo Folião

Conto

De repente, esse personagem entrou no meu juízo e tirou meu sono, lá para as duas da madrugada. Tido como um indivíduo circunspecto, muito responsável e trabalhador, pai de dois filhos e marido de uma paraibana, dizia ter horror a carnaval, tanto que preferia fazer retiro na semana momesca, e sozinho, já que mulher não podia deixar os filhos adolescentes, que eram carnavalescos, soltos na avenida. Conformada, a mulher até preparava a mochila dele. Chegada a quinta-feira, da semana do carnaval, lá se ia ele, resmungando e xingando a festa do diabo, como costumava dizer. Mas ele não atentou que, hoje em dia, o celular anda por toda parte e, muitos deles, com acesso a internet. No sábado quando a folia estava apenas começando, uma vizinha e “amiga” de sua mulher, também paraibana, mandou uma mensagem para o celular da inocente Edelzuita, esposa do dito cujo, dizendo que queria lhe mostrar uma foto muito interessante do carnaval. Lá se foi a pobre criatura na casa da vizinha, muito animada e dando pulinhos ao som do seu rádio portátil. Assim que chegou foi recebida com a frase: “Senta, criatura, que você vai ter um treco”.


- Vixe, mulher! Que foi?
- Conhece esse aqui?
- Parece com meu marido. Se não fosse o abadá diria que é ele.
- Por acaso ele tem um irmão gêmeo?
-Não.
- Então é o próprio.
- Ele está no retiro, criatura.

Aí a amiga chamou o marido, Jorge, esse sim carnavalesco confesso, e disse:
- Meu bem, conta pra ela quem é esse que você tirou a foto.
- Achei parecido com seu marido e tirei a foto. Mas, se ele não gosta da folia.... talvez não o seja.
- Você viu de perto?
- Vi, por isso fotografei, mas pode não ser ele.
- Deixe de botar panos quentes, Jorge, não iluda a minha amiga. Você disse outro dia que não acreditava nessa história de retiro, lembra? É porque já sabia de alguma coisa.

Na verdade Jorge não ia muito com os “pacovás” do marido da paraibana. - baixinho muito do antipático, tirado a melhorzinho da rua! – dizia ele.
Edelzuíta não tirava o olho da foto e dizia: Só acredito vendo, que bloco é esse, Jorge?

- É o bloco do “A Corda”. Os participantes carregam uma corda com um nó, pendurada no pescoço.
- Pois é com essa corda que ele vai se enforcar sozinho, se for ele. Vou agora mesmo para a avenida.
- Amiga, não se dê a esse trabalho, espere ele voltar.
- Voltar pra onde? Aqui ele não fica.
Mas a fofoca já tinha se espalhado e o folião foi avisado por celular da notícia que já estava correndo meio mundo. O sonso folião, muito do esperto, explicou para a companheira de bloco o que estava acontecendo e disse: amiga você tem que me livrar dessa enrascada.
- De que forma?.
- Me arranje uma vidente ou mãe de Santo.
- Não entendi
- A vidente vai dizer para a minha mulher que eu não sou eu. Que quem está no carnaval é uma entidade do além que baixa em mim todos os anos, para pagar um carma de outras vidas e que eu nem sei o que está se passando.
- Deixe de ser safado, criatura, ela não vai acreditar nisso.
- Vai sim. Sempre gostou de cartomantes e de centro espíritas.
- E aí, como vou fazer?
- Bem, temos que pensar numa estratégia convincente.
- Nem sei pra que lado vai essa coisa de espírita, vidente e sei lá mais o quê.
- É fácil. Você vai ligar pra minha mulher e dizer que me encontrou caído no chão.
- E daí?
- Ela vai querer vir até aqui. Você me faz umas perguntas na vista dela e eu falo numa linguagem estranha que ainda vou pensar.
- Como serão as perguntas?
- Como é seu nome, por exemplo.
- E o que você responde?
- Falo o nome do pai dela que já morreu e que era um tremendo folião. Ele era conhecido como Arlindo folião.
- E se ela não acreditar?
- Continuarei dizendo que sou Arlindo até ela se convencer. Você me pergunta dos carnavais antigos e eu respondo. Depois você diz que vai chamar uma conhecida que é vidente e traz para conversar comigo.
- Só se for a Clara, ela adora essas maluquices.
Não precisou tanto. O telefone do sonso tocou e ele deu para a companheira de bloco atender.
- É a Edelzuíta.Continue falando.
- Quem está falando? –Este telefone é de meu marido - falou a esposa já desconfiada.
- Senhora, eu estou aqui com um senhor caído dizendo chamar-se Arlindo. Acho que ele bebeu além da conta - ela prendeu o riso para não estragar a mentira.
- Arlindo! Esse era o nome de meu pai, mas já morreu. Por favor a senhora poderia botar ele no telefone? Ou será que liguei errado? Veja se meu nome aparece aí na agenda, Edelzuita.
- É esse mesmo, e como é o nome dele?
- O nome dele é Roque. Chame pelo nome que ele vai responder.
- Senhora ele insiste em dizer que é Arlindo, e está bem grogue.
- Ele não bebe, não pode ser ele. Onde ele está? vou aí confirmar.

A companheira de bloco explicou direitinho o local e aguardou a chegada de Edelzuíta, não sem antes telefonar e combinar com a amiga Clara, que logo chegou, pois estava bem perto, apreciando o carnaval.

- De que se trata? Tenho que fingir ser vidente? Por quê?
- Esse aqui diz receber uma entidade com o nome de Arlindo folião, para convencer a mulher de que não tem culpa de estar no carnaval se esbaldando. Segundo contou, a mulher pensa que ele está fazendo retiro.
- Retiro?
- Pois é, e esse ano ele ia sair em três blocos.
- Por favor Clara, me ajude a convencer minha mulher senão ela vai me matar. Ela quando se aborrece o mundo vem a baixo.
- Esse história não vai colar seu doido. E eu não sei se vou convencer no papel de vidente. Já representei muitos papéis engraçados mas esse aí requer laboratório.
- O telefone tocou outra vez:
- Já cheguei mas não estou achando vocês, tem muita gente.
- Estamos aqui no posto de gasolina.
Roque se sentou todo fantasiado na beirada do passeio do posto com as duas amigas olhando.
- É ele sim - disse Edelzuita chegando acompanhada da vizinha.
- Pois então, seu Arlindo, o senhor está entregue.
- Que Arlindo? esse é meu marido Roque.
- Sem saber representar a encarnação, ele olhou para a mulher como se nunca a tivesse visto na vida e fingiu não conhecê-la.
- Seu safado, então é esse seu retiro?

Nesse momento Clara "recebeu" um espírito fajuto e disse, dando uns tremeliques no corpo: esse é o Arlindo, seu pai, mizifia. Ele está encarnado em seu marido. Seu pai gostava de carnaval, mizifia?

- E como gostava! saía numa quinta e voltava na outra depois de carnaval. Morreu de tanta bebida.

- Hum! Então é isso, ele não se conforma de ter morrido. No carnaval tem muito espírito encarnado na avenida, neste bloco já vi uns cinco, com ele, agora, são seis.

- E quem é você minha filha? Alguma pomba gira?

- Ela é uma medium, lê o futuro e baixa espírito. Agora mesmo ela está manifestada, seu marido parece realmente possuído - disse a companheira de bloco de Roque.

-Se é meu pai então ele só vai voltar na quinta-feira, ou melhor, só vai embora do corpo de meu marido depois do carnaval. Coitado, vou levá-lo pra casa trancá-lo num quarto e esperar o espírito desencarnar dele.

Nessa hora a esposa notou que algo na expressão das duas amigas não a convencia, mas fez de conta que realmente estava acreditando. Moleque safado, merece esse castigo - pensou ela. Arlindo coisa nenhuma é ele, Roque, tá mentindo. Quando namorava comigo inventava muitas histórias para se desculpar das escapadas. De três anos pra cá me veio com essa de retiro. Edelzuíta sacudiu o marido e disse: vamos papai, em casa a gente conversa. Vou botar você no quarto trancado com uma marchinha de carnaval bem alta até a próxima quinta feira, tenho certeza que você não vai querer mais ouvir falar de carnaval.
Ele, fingindo-se de tonto, cambaleou e olhou de soslaio para a vizinha como quem diz "você me paga". A "vidente" ficou preocupada e disse que ia espantar o espírito para ele voltar a si e ficar sóbrio, pois a bebedeira era do Arlindo folião e não dele. Mas a paraibana cabra macho empurrou as duas e levou o marido, que a essa altura já não sabia o que fazer para livrar-se da mentira, ou de seu Arlindo folião. No meio do caminho alguém lhe deu um forte tombo e ele fingiu acordar, perguntando o que estava acontecendo.
- Onde estou? O que você está fazendo aqui no carnaval Edelzuíta?
- Eu é que lhe pergunto se o seu retiro é o bloco "A Corda"? Pois essa corda que está pendurada no seu pescoço vai ser de boa serventia, vou lhe mandar fazer companhia a meu pai, Arlindo folião, no outro mundo.

Felizmente consegui pegar no sono de novo e não sei que fim levou Arlindo Folião



Darcy Brito
Enviado por Darcy Brito em 16/04/2014
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